O Silêncio da Multidão #yosoybarcelona

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Um dia queria dar uma voltinha, ver cores, sorrisos.. Queria passear por lugares que já tem vida própria, buscava alegria, felicidade, amor, risadas e aquele clima e cheiro que só mesmo poderia vir das Ramblas em Barcelona. E lá fomos nós(eu, Luis e Luah), passar pelos vendedores ambulantes de flores, sentir o cheiro vindo dos restaurantes e as cores que surgiam de La Boquería e foi um lindo dia de paz.

Passou-se 2 dias e a noticia acelerou o meu coração, em todas as partes só se ouvia falar no ataque, no desespero; e meu coração triste e aliviado (por não ter vivido esta tragédia) também chorava. A noticia foi piorando a medida que o número de mortos subia e quando pensávamos que não poderia ser mais trágico, então mais uma noticia de Cambrils. É difícil quando a gente está longe e vê os noticiários dos muitos, e cada vez mais frequentes atentados terroristas, mas viver esta experiencia assim tão de perto é um sentimento indescritível, é uma dor, uma angústia, é a vontade de gritar, é a sensação de que o mundo está caindo em um poço sem fundo e a escuridão é o nosso único aliado.

Depois de algumas poucas noites sem dormir direito, levantei a cabeça e decidi enfrentar a escuridão sem medo. Tudo pronto, vamos acender nossa vela e fazer nossa oração, vamos agradecer o milagre da vida, vamos pedir a Papai do Céu para cuidar desta sua  nova turma, pedir também para que a força e esperança sejam aliados dos familiares das vítimas e pedir pela recuperação daqueles que ainda estão nos hospitais… Las Ramblas mais uma vez me receberia.

Ao chegar nas Ramblas, a sensação foi muito estranha, meu corpo começou a tremer por dentro e meus olhos lacrimejavam, pensava que encontraria uma avenida vazia, no entanto, estava cheia, uma multidão caminhava, ia e vinha, só que não havia risos nem brilho nos olhos, não havia musica e nem musicalidade, não havia ali a vibração de felicidade… o que vi foi tristeza, melancolia, inconformismo. A medida que me aproximava de uma das concentrações de milhares de velas e flores o mundo parecia se calar, nem sons de árvores, nem de pássaros, nem de nada, o mundo estava mudo.

Engoli a seco, e ouvi meio de longe umas vozes cantando, era uma canção suave, parecia ser de anjos, parecia do céu, era um grupo sentado ao redor das velas e flores, cantando, era algo divino, triste e até silencioso, ali, eu chorei.

As vozes não pararam mas deram lugar a um corredor de policias, eu tentava ver, todos estavam em silencio (exceto por estas vozes de uma música quase que angelical) era uma homenagem da «Policia Local» que levava flores e os aplausos por mais um gesto de solidariedade e amor ao próximo.

 

Estava acompanhada de um amigo, e convenci ele de tocar para aquelas pessoas, para aquelas velas, por aquelas vitimas, e outra vez a musica reinou naquele mundo silencioso, eram centenas de pessoas formando um círculo ao redor da concentração de flores, velas, mensagens, e todos em silencio ouviram aquela sonata, não sei bem de que se tratava a sonata, mas parecia que não existia mais mundo, éramos só nós daquele circulo, não havia naquele momento escuridão, havia luz, havia esperança de um mundo melhor, havia ali solidarismo, humanismo… a sonata deve ser relacionada a isso o que sentíamos. Ou ela foi feita para aquele momento ou então nós invadimos o som das cordas e criamos uma própria melodia para definir aquela sensação.

Ao finalizar a música outra vez chorei, não podia conter as lágrimas, saltavam, pulavam pra fora dos meus olhos de forma incontrolada. Foi uma mistura de tudo, dor, tristeza, melancolia, esperança… E continuei pelo caminho das Ramblas sem saber direito o que encontraria.

Vi os postes de luz  e árvores com varais cheios de mensagem, vi velas e flores pelo caminho…

Vi ali também, um grupo de muçulmanos com um cartaz que dizia:

SOU MUÇULMANO E NÃO SOU TERRORISTA. SE VOCÊ CONFIA EM MIM, ME ABRACE.

Não podemos perder a fé na humanidade, também não devemos deixar que os inocentes paguem pelos pecadores, se a gente julgar que todo muçulmano é culpado estaremos esquecendo dos inocentes que pagaram quando foram atropelados pelos terroristas, não pensei nem por um segundo e fui em direção destas pessoas e dei o meu forte abraço, acho que eu precisava muito mais daquele abraço do que eles…

Quase no final da minha caminhada, vi um jovem com uma mochila, ele abriu e tirou de dentro um pote que parecia ser cinzas, encheu a mão com este pó e fechou em forma de oração e esteve ali com os olhos fechados por 1 ou 2 minutos, na sua frente mais velas, ele abriu os olhos e soprou aquele pó nas velas… Guardou o pote que ainda continha este pó e se foi.

Outra vez senti o mundo em silencio.

Minha filha perguntou porque havia tantas velas, ela não entendia bem o que estava acontecendo mas sentiu que aquele momento também era espiritual e me ajudou a fazer uma oração, ela estava feliz e sorria, ela queria ajudar a fazer esta oração, ela poderia ter sido uma das vitimas se o atentado fosse 2 dias antes, mas ela estava na minha frente sorrindo, entendi que já não era mais o momento de tristeza, era a hora de levantar a cabeça e seguir, caminhar firme e plantar a semente da esperança e do amor.

Não sei se as Ramblas voltará a dar aquela gargalhada dos dias de alegria, mas sei que ao caminhar por ali vou sempre levar comigo esta sensação de silêncio diante da multidão.

 

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